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Freguesias | Custóias

História

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Dos vestígios mais antigos da ocupação humana no território da atual freguesia de Custóias já quase nada resta. A crescente expansão demográfica das últimas décadas, consequência do dinamismo económico e da proximidade a um importante centro urbano como o Porto, provocou a sua quase completa destruição.

O exemplo mais evidente deste processo foi o desmantelamento da enorme massa granítica do monte de S. Gens. Situado num ponto privilegiado, a 137 metros de altitude, donde se podia avistar uma vasta extensão em redor, pelo menos até à serra de Valongo, o povoamento e as tradições culturais e religiosas de Custóias estiveram sempre ligadas a este monte. Mas, como escrevia Pedro Vitorino, “poucos se lembrarão já do perfil imponente do seu vulto, rematado no alto por uma capelinha recolhida à sombra de dois enormes pinheiros mansos. (…) Atacado por máquinas e fendido por pólvora, aos migalhos, abriu-se em princípio e multiplicou escombros que afastaram as aprazíveis digressões”. Contudo, ainda nos finais do século XIX eram visíveis, principalmente no monte de S. Gens, diversos vestígios arqueológicos que testemunhavam a ocupação deste território pelo homem desde épocas pré-históricas. A sua quase total destruição, devido à sua utilização como pedreira para a construção do Porto de Leixões, apagou uma parte importante da memória histórica da freguesia.

É no monte de S. Gens, também designado por monte Custóias ou, segundo a documentação da Idade Média, por mons custódias, que encontramos referências à existência de monumentos megalíticos. Conhecidos popularmente pela designação de antas, antinhas, mamoas ou fornos dos mouros, estes monumentos foram construídos pelas primeiras comunidades de pastores-agricultores que povoaram esta região. Estas mamoas, cuja cronologia se situa entre os inícios do século III a.C. e o século II a.C., eram constituídas por uma câmara formada por lajes de pedra (esteios) tapada por uma grande laje e coberta por um monte de pedra e terra. A principal função era sepultar os mortos da comunidade. Em toda a área dos concelhos de Matosinhos, Maia e Porto são conhecidas referências a estes monumentos, hoje já desaparecidos. Contudo, ainda no final do século XIX, Martins Sarmento recolhia referências a antinhas em Perafita e a mamoas em Águas Santas. Dos monumentos que existiam no monte de S. Gens e dos objetos que aí foram recolhidos, no início do século XX, mas que se perderam, pouco sabemos da cronologia exata.

É no final de século IV a.C. que, por todo o Norte de Portugal, começaram a surgir povoações que, localizando-se no alto de elevações com boas condições naturais de defesa, começam a rodear-se de sistemas defensivos artificiais como fossos e muralhas. Estas povoações são conhecidas, normalmente, pelo nome de castros. Em Custóias, encontramos, desde muito cedo, referências à existência de castros nos lugares de Esposade e Matalto. O monte de S. Gens também é referenciado, em documentos medievais, como local onde terá existido um castro. Resposta a uma situação de insegurança e instabilidade política ou, pelo contrário, necessidade de evidenciar o poder dos chefes locais, estes povoados fortificados multiplicam-se por todo o Noroeste peninsular. As populações que habitavam estes castros de Custóias pertenceriam ao povo dos Gallaeci que ocupavam a zona litoral a Norte do Douro. O modo de vida destas populações vai, a partir do século I a.C., conhecer uma profunda transformação, embora os castros continuem a ser habitados. A conquista da Península Ibérica pelas legiões romanas e a posterior integração desta região no espaço cultural e económico do Império Romano vão alterar profundamente este território.

Embora, numa fase inicial, as relações entre os povos indígenas e os colonos romanos fossem de alguma hostilidade, com o tempo as populações locais acabaram por absorver a cultura romana. As obras públicas empreendidas durante o período do domínio romano, nomeadamente a construção de vias de comunicação e de pontes, foram um dos fatores que contribuiu para assegurar a integração destas populações no espaço do mundo romano. Por Custóias passava também uma via romana de alguma importância regional. Esta via aparece referenciada na documentação medieval como a Via Veteris, ou seja, a estrada velha. Esta iniciava-se junto ao rio Douro, na zona da Arrábida, e, vindo pelo Couto entre Lordelo e Cedofeita, passava pelo cruzeiro de Santiago de Custóias e daí dirigia-se para Pedras Rubras, Aveleda, Modivas e Vairão para o estuário do rio Ave.

Do conturbado período que corre durante os séculos V a.C. a X a.C., desde a queda do Império Romano até ao estabelecimento dos povos de origem germânica na Península Ibérica, sabemos muito pouco. Os primeiros documentos escritos referentes a Custóias datam do século X. Eles referem-se sobretudo a transações de proprietários entre uma aristocracia latifundiária que, pelos nomes (Vistrile, Leovigilde, Alvitiz, Heibele, …), parece ser toda de origem germânica e que, após a queda do Império Romano, se transforma na nova classe dominante. Custóias era, nessa época, uma terra essencialmente agrícola, composta por grandes propriedades onde coexistiam diversas culturas e infraestruturas de apoio à atividade agrícola (como os lagares e moinhos). A principal cultura agrícola, nessa época, era o trigo, mas tinham também uma importância económica particular as árvores de fruto (castanheiros, figueiras, vinhas, …). Contudo, durante o início do século XI, são feitas muitas doações de propriedades a um pequeno mosteiro existente “no lugar de Recaredi [atual Leça do Balio], debaixo do monte Custodias, território Portucalense junto da corrente do Rio Leça”. Prática habitual durante a Idade Média, estas doações tinham por objetivo garantir que houvesse, perpetuamente, quem orasse pelas almas dos doadores e, desta forma, escapasse da condenação eterna ao Inferno.

Em 1045, estas propriedades, juntamente com a Villa Custodias e as salinas existentes na foz do rio Leça, são cedidas pelo abade Tudeildus a alguns presbíteros e monges. Entre 1122 e 1128, o mosteiro, que compreendia todo este território, é doado pela rainha D. Teresa à ordem dos Cavaleiros de S. João de Jerusalém (também designada por Ordem dos Hospitalários ou, a partir de 1530, por Ordem Soberana de Malta), e, em 1140, esta doação e os privilégios daí decorrentes são confirmados e ampliados por D. Afonso Henriques. Criada em 1048, após a conquista de Jerusalém pelos cruzados, para abrigar e proteger os peregrinos que iam visitar os lugares santos em Jerusalém, esta Ordem vai espalhar-se por toda a Europa. Em Portugal, uma vez que estava organizada como uma Ordem de cavalaria e constituía um corpo militar, teve uma forte importância nas lutas da conquista. Do outro lado da escala social encontravam-se os camponeses que, não sendo proprietários de terras, eram compelidos a cultivar as terras pertencentes à Ordem, pagando as respetivas rendas e tributos, sendo ainda obrigados à prestação de trabalhos gratuitos.

Nas inquirições de 1258 aparece a paróquia de Santiago de Custóias integrada no Couto de Leça da Ordem do Hospital e é referida, entre as povoações mais importantes, Esposade, a que se agregavam os lugares de Esposade de Baixo, Gondivinho e Custóias. Compunham então o Couto de Leça, para além de Santiago de Custóias, as freguesias de Leça, S. Mamede Infesta, S. Miguel de Barreiros e S. Faustino de Gueifães. Nestas mesmas inquirições se refere que a Via Veteris continuava a ser a principal via de comunicação entre o Porto e a região da foz do Ave. Esta estrada manteve a importância até muito tarde, não só como via de trânsito regional de pessoas e mercadorias mas, principalmente, por a partir do século X se tornar numa via privilegiada dum número, cada vez maior, de viajantes, a pé ou a cavalo, que se dirigiam ao longínquo lugar de Compostela, na Galiza. Corria então, por toda a Europa, a notícia que nesse local tinha sido encontrada, após uma revelação divina, a sepultura do apóstolo Santiago. Conta a lenda que, após a morte de Cristo, Santiago se teria dirigido à Galiza para pregar o Cristianismo. Regressado a Jerusalém, é morto por ordem do rei Herodes. Segundo a tradição, o seu corpo teria sido então transportado, secretamente, pelos discípulos, numa barca através do Mediterrâneo e contornando as costas da Lusitânia, regressando à Galiza. A notícia do aparecimento do seu túmulo vai originar, a partir do século X, um afluxo de peregrinos, vindos de toda a Europa, a este local para venerar as relíquias do apóstolo, atingindo o auge durante os séculos XI, XII e XIII. A Via Veteris tornou-se assim uma via para peregrinos que, partindo do Porto, pretendiam dirigir-se a Compostela. Iniciando o percurso na Arrábida, dirigia-se para Vila do Conde e daí os peregrinos seguiam pelo litoral para Tuy e Compostela. A própria escolha, para santo padroeiro da freguesia, do apóstolo Santiago é também, provavelmente, dos séculos XII-XIII e advém do lugar de Esposade.

A esta localidade também está associada uma lenda popular, que se relaciona diretamente com o culto e peregrinação a Santiago, na região do concelho de Matosinhos. Conta a lenda que, correndo o ano de 44 d.C., num belo dia de primavera, se celebrava um importante casamento. O nobre romano Caio Carpo celebrava o matrimónio com a jovem Cláudia Lupa Calense. Era costume, nestas festas, a realização de jogos em que os convidados punham à prova a destreza física, particularmente na arte da cavalaria. Quando nada o fazia prever, o cavalo de Caio Carpo rompeu desenfreado pelo mar dentro até se perder de vista, rumo a uma barca que navegava no alto mar. Recolhido pelos marinheiros do barco, estes contaram-lhe que vinham da Palestina e se dirigiam para a Galiza, transportando o cadáver do apóstolo Santiago. Deslumbrado pelo prodígio, converteu-se ao Cristianismo. Voltando para terra, do mesmo modo que fora, contou aos que tinham ficado em terra os prodígios a que tinha assistido, de modo que logo ali se converteram todos ao Cristianismo. Segundo a tradição popular, teria sido no lugar de Esposade que se teria celebrado o casamento de Caio Carpo e Cláudia Lupa. Narração fantasiosa, sem dúvida, mas que atesta a importância que tiveram, desde épocas muito antigas, o culto e as peregrinações a Santiago de Compostela.

O topónimo Custóias aparece pela primeira vez referenciado em documentos medievais do século X como Costoyas ou Custodias, tendo como referência geográfica o Monte Custodias (posteriormente também designado por monte de S. Gens). A palavra Custodias era normalmente associada à existência de atalaias, guardas ou sentinelas para vigilância do território. Esta atalaia estaria, provavelmente, implantada no alto do monte de S. Gens. Esta elevação, hoje já desaparecida, do alto dos seus 137 metros de altitude, era um ponto privilegiado de observação de toda a região entre a costa e a serra de Valongo. A importância estratégica deste local é realçada numa carta que, em 25 de agosto de 1484, o rei D. João II enviou aos vereadores da Câmara do Porto e em que dizia: “aos Juízes e oficiais, nós El Rei vos enviamos muito saudar. Por assim cumprir ao nosso serviço que logo, nesse julgado de Bouças ordeneis uma atalaia em S. Gens para dar fogo (…). E porém vos mandamos e encomendas que tantos que esta vos for dada ordeneis logo assim de pôr a dita atalaia no dito lugar de S. Gens com o vosso regimento na maneira que assim há de ter em velar e avisar com os ditos fogos a atalaia dos ditos lugares do Porto e de Vila do Conde”. Esta atalaia servia assim para avisar as guarnições do Porto ou de Vila do Conde da aproximação de embarcações hostis, particularmente de navios corsários. A carta ordenava ainda que “os fogos que a vossa dita atalaia há de fazer serão desta maneira, a saber, de noite fogo e de dia fumaças. E isto tantas vezes quantas forem os navios que virem, como já dito é e as caravelas e barcas que daí foram ao mar a pescar quando tal frota acharem virão logo dar recado e aviso a essa vila”. Aos diversos lugares do termo do Porto, S. João da Foz, Ramalde ou Bouças, competia fornecerem, alternadamente, a respetiva guarnição.

Embora, no início do século XIX, muitas dessas atalaias ainda subsistissem, a sua importância estratégica foi diminuindo com a construção, a partir do século XVI, de diversas fortalezas junto ao mar, como os fortes de N.ª Sr.ª das Neves (Leça da Palmeira), S. Francisco Xavier (“Castelo do Queijo”) e S. João da Foz. No século XVIII dão-se importantes transformações na freguesia. No inquérito realizado aos párocos em 1758, Santiago de Costoyas era apresentada como fazendo parte do Couto de Leça. Aí habitavam então 403 pessoas, divididas pelos lugares de Santiago, Esposade de Cima, Esposade de Baixo, Torre, Gondivinho e Custoyas. Freguesia de forte potencial agrícola, as principais culturas eram, nessa época, o milho grosso, o trigo e os feijões. A riqueza agrícola era-lhe conferida pela proximidade ao rio Leça, não só pela irrigação dos campos como também porque a água era utilizada para fazer mover as muitas azenhas que, aproveitando a energia hidráulica, moíam os cereais. Segundo o relato do pároco, “as margens do dito rio são terra que se cultiva na maior parte dele (…) e são acompanhadas as mesmas margens do rio de muitas árvores de carvalhos, salgueiros Golfeiro e os seus moinhos no mesmo sítio, e as azenhas chamadas da Pinguela de Esposade de Cima com seus moinhos”. O rio Leça caracterizava-se então pela abundância de peixe, nomeadamente “(…) barbos, trutas, ruibacos e algumas enguias. As pescarias (…) são em todo o tempo do ano”. É nesta época que se fazem algumas obras de vulto na freguesia, nomeadamente a construção duma nova igreja paroquial.

O século XIX vai trazer dramáticas transformações na até então pacata vida dos habitantes de Custóias. Um novo vento começava a fazer-se sentir na Europa e também em Portugal. O velho regime, assente na aliança entre os absolutistas e os grupos sociais privilegiados (como a nobreza e o clero), começa a entrar em colapso. A aspiração à liberdade e à igualdade dos cidadãos perante a Lei tornava-se cada vez maior, particularmente depois de D. Miguel se ter declarado como monarca absoluto e da repressão que se seguiu. Custóias vai ser palco de alguns dos momentos mais dramáticos e decisivos das lutas entre os partidários do absolutismo e os adeptos do liberalismo. Corria então o ano de 1832 quando D. Pedro IV desembarcou na Praia da Memória (Arnosa – Pampelido). Com ele vinha um exército de 7500 homens com o objetivo de restaurar a Carta Constitucional e implantar em Portugal o Liberalismo. Segundo alguns autores, terá sido em Custóias que o exército libertador terá pernoitado pela primeira vez depois de desembarcar, realizando-se então, no Largo do Souto, a cerimónia do beija-mão real, dirigindo-se o exército para a cidade do Porto. Nesta cidade, o exército de D. Pedro IV acabaria por ser cercado pelas tropas absolutistas. Os dias que se seguiram foram dramáticos, não só para os habitantes do Porto, como também para as populações dos arrabaldes, onde se travaram alguns dos combates decisivos. Um dos pontos estratégicos era então o monte de S. Gens, donde se avistava toda a região e que terá servido como quartel-general das tropas absolutistas, comandadas pelo general Teles Jordão. Segundo a tradição, o próprio D. Miguel viria para este local observar as batalhas entre os dois exércitos e daqui assistiu à derrota das suas tropas.

O fim do regime absolutista, decorrente da derrota dos partidários de D. Miguel, vai trazer profundas transformações à sociedade portuguesa. Entre as mais importantes, salientam-se, pelas suas implicações diretas na vida da freguesia, as extinções, em 1834, das ordens religiosas e a nacionalização, e posterior venda em hasta pública, dos seus bens. Acaba, assim, por ser também extinta a ordem de Malta e, com ela, o Couto de Leça. Custóias é assim integrada, em 1836, no concelho de Bouças, que em 1909 passa a designar-se Matosinhos.

O desenvolvimento acelerado que Custóias conhece, a partir do século XX, é o resultado da crescente inserção num espaço económico de grande dinamismo que é hoje a Área Metropolitana do Porto. Situada na fronteira dos concelhos de Matosinhos e da Maia e perto do Porto, este século a Custóias grandes transformações económicas e sociais. A velha freguesia essencialmente rural, composta por prósperas casas agrícolas, pertence cada vez mais ao passado. Hoje, Custóias é uma freguesia que se ocupa cada vez mais na indústria e nos serviços. As melhorias no domínio das acessibilidades, dos transportes e, particularmente, a inauguração da linha de comboio do Porto à Póvoa de Varzim, em 1875, tiveram um papel decisivo nestas mudanças. Santiago de Custóias é, atualmente, uma freguesia em franco crescimento demográfico, particularmente do ponto de vista residencial, tendo passado de apenas 3266 habitantes, em 1930, para os atuais cerca de 19 mil habitantes.

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